domingo, 29 de março de 2009

Cuba: A revolução imaginária

Um regime que gira em torno da doença de um homem cuja permanência no poder cumpre meio século. Uma classe dirigente que não consegue virar a página para um ancião decrépito que a fez padecer o mais espantoso ridículo durante a última década. Uma Ilha com dezenas de milhares de pessoas atiradas à rua, para receber e escutar um patético golpista discursar baboseiras com um papagaio no ombro. Uma sociedade em que não se pode ser senão De entes coletivos, impessoais. Um país onde não se pode ser em escala individual, um cidadão. Uma revolução imaginária.

Algo assim só pode sobreviver institucionalmente apoiando-se em um nacionalismo complacente mais concentrado na exaltação de sua mitologia do que em localizar a raiz de suas dificuldades e deficiências. Em suma, o que é o regime de Castro como idéia, já se sabe que de concreto – senão uma tentativa de glorificação do nacionalismo que se serve, estruturalmente de totalitarismo?

Uma tentativa de glorificação da nação e de uma tentativa de vulgarização da diferença. Porque a "revolução cubana" também tem sido, em uma dimensão sociológica, a rebelião do escatológico contra o diverso, a minuciosa e festiva avacalhação da ordem e medida. Em 1959 a revolução da imundice varreu de uma só vez, como a peste, as instituições, as estruturas e usos da agenda republicana. Em 1968 a revolução já tinha mudado seu caminho, rumando à institucionalização de um totalitarismo radicalmente escatológico. E, no final de 2006 metaforicamente retornou às suas origens, com seu máximo condutor sofrendo da mesma doença, o cerco da sujeira, que se mudou para a sociedade cubana.

Desta forma, o ciclo vicioso que inaugurou o castrismo se fecha sobre o seu ponto de partida, desmistificando-se o abrigo Adidas do Comandante-em-Chefe. Fidel Castro morre, caindo em seus próprios detritos. No entanto, parece improvável que, após o desaparecimento do "líder máximo" seus sucessores consigam desinfetar o sistema, como na lenda de Hércules, o esterco dos estábulos castristas.

Uma refundação cubana só será possível pressupondo um nacionalismo crítico formalmente estruturado. Um nacionalismo que deverá começar com a redefinição do próprio conceito de nacionalismo, desafio que a maioria dos formadores de opinião não quiseram, ou não puderam, enfrentar durante os últimos cinqüenta anos. Não mais bater no peito, nem patrióticas concentrações, nem especulações sobre a suposta grandeza do país e sua gente. A refundação só será possível desde que exista um nacionalismo que assuma não só as virtudes da sociedade cubana, já suficientemente abalada, mas também as carências de uma cultura política assentada no superlativo, no imaginário.

Não é a vida que segue igual em Cuba, mas sim a morte. A lenta morte da nação nas mãos da oligarquia que usurpa o poder faz meio século, empenhada em redecorar a perpetuidade de um nacionalismo parasitário cuja principal refutação segue sendo o banho de realidade que diariamente se vê obrigada a tomar a população cubana. É a morte o que segue igual, ou esta forma de morrer socialmente, civilmente, que a Human Right Watch descreve como a falta de “direitos fundamentais de liberdade de expressão, associação, reunião, privacidade, movimento e ao devido processo legal”.

O outro é a revolução imaginária.

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